Artigo extraído do editorial da revista Vedanta Kesari de Julho de 1994.
(...)Essas coisas de que falei para vocês, de que a minha alegria permaneça em vocês, e de que a alegria de vocês possa ser completa, Cristo disse, como consta do Evangelho de São João. “Este é o meu mandamento, que vos ameis uns aos outros como eu vos amei.” Os ensinamentos de Cristo são inspirados nesse sentimento de alegria e amor a Deus e a toda humanidade. No Evangelho de São Mateus, o Sermão da Montanha principia com as Bem-Aventuranças, ensinamentos que foram dados aos discípulos íntimos de Jesus. Eles contêm a essência da vida espiritual, aplicável a seguidores de qualquer credo.
Quando eu estava estudando as Bem-Aventuranças para uma apresentação em sala de aula, achei que o exacto significado de vários versículos não estava claro para mim. Isto me levou a fazer uma pesquisa, e encontrei vários livros, os quais examinaram os evangelhos à luz das velhas tradições da língua Aramaica. Tanto no aramaico como no sânscrito, uma mesma palavra possui muitas conotações. Como muitos de vocês sabem o aramaico era a língua usada na Palestina durante o reinado romano, e era a língua falada por Jesus e seus discípulos. O Novo Testamento foi primeiro traduzido do aramaico para o grego e, mais tarde, do grego para o inglês. Para esta apresentação estou usando a tradução das Bem-Aventuranças da Bíblia de King James pela sua beleza de linguagem e o valor acrescentado que tem pelo mantra Shakti. Por centenas de anos, santos e adoradores de Cristo têm repetido esses versículos com grande devoção, e isso lhes deu um poder especial. Vou tentar primeiramente analisar o teor espiritual de cada Bem-Aventurança e depois falar sobre algumas maneiras de como podemos aplicar esses princípios em nossa vida diária.
“Bem-aventurados os pobres em espírito, pois deles será o reino dos céus”
“Pobre em espírito” no idioma aramaico tradicional significa humildade. A raiz da palavra espírito significa alma, ou o sopro cósmico da vida. Uma das conotações da raiz da palavra pobre em aramaico é “se agarrar com devoção a algo de grande valor”, no sentido de que seríamos pobres pela falta desta, o que transmite a ideia de que devemos procurar Deus com devoção e humildade. O Reino dos Céus refere-se à divindade interior, pois Jesus disse que o Reino dos Céus está em nosso interior. O aspirante espiritual deve se aproximar-se de Deus e do mestre espiritual com humildade e avidez. A mente do discípulo precisa estar receptiva aos ensinamentos espirituais do mestre para nele - discípulo - se enraizarem. Isto pressupõe que alguns preparos já tenham sido feitos, tais como a aquisição da verdade e da pureza de carácter.
Humildade é uma das características que encontramos em pessoas verdadeiramente grandes em qualquer sector, o que acrescenta uma charmosa dimensão a seus carácteres. Talvez se sintam humildes porque têm a consciência de que sua inspiração vem de Deus. Humildade não significa rebaixar-se de alguma forma, porém ser confiante, sem egoísmo ou orgulho.
Como superamos o egoísmo e o orgulho?
Identificando-nos com Deus, e tendo um sentimento de unidade com o universo inteiro. Os que estão em sintonia com Deus não se lançam adiante, à frente dos outros. Podemos trabalhar nosso orgulho tentando ver as melhores qualidades nos outros, sinceramente dando-lhes crédito por todas as suas realizações.
“Bem-aventurados os que choram, pois eles serão consolados”
Os que choram pela perde de um ente querido e voltam as suas mentes em direcção a Deus, em oração, serão confortados. Em aramaico a palavra lamentar também significa profundo anseio por algo. Aqueles que verdadeiramente anseiam por Deus de todo o coração
serão confortados. A palavra confortado em aramaico tem outra conotação que significa “ver a chegada”, ou “ver a face de algo pelo qual se anseia”. Quando há um profundo anseio por Deus, então Sua graça será experimentada. Muitos de nós sentem a falta de realização em nossas vidas, mas esquecemos que a causa dessa falta deve-se ao esquecimento de nossa verdadeira natureza. Cortamos nosso elo com o Divino, que é o nosso verdadeiro Eu e a fonte de toda a felicidade. Continuamos a tentar preencher o vazio com prazeres efémeros, objectos ou distracções. Podemos querer encontrar Deus, finalmente, mas não exactamente ainda.
Por nos identificarmos falsamente com nossos limitados egos, somos não-conscientes do espírito divino que dá vida ao nosso corpo, mente e sentidos. Entretanto, temos sempre de fazer um esforço para sentirmos essa divina presença, não somente ao meditarmos, mas quando quer que seja.
A ignorância de nossa verdadeira natureza será completamente removida quando tivermos o conhecimento directo de Deus. Esta revelação virá quando tivermos ininterrupto anseio por Deus. Sri Ramakrishna disse que devemos ansiar pelo Senhor com um coração ardente e certamente O veremos.
Como adquirimos esse anseio por Deus?
Uma maneira fácil é através da prece interior.
Podemos falar com o Pai ou a Mãe que vivem dentro do coração e orar para que desejemos Deus. Pode-se orar pela Divina Graça e a visão de Deus. A intensidade nas preces traz concentração à mente, e a meditação se segue naturalmente. Quando nós realmente queremos somente à Deus, a Divina Graça chega e então, como um ímã, Deus conduz nossa mente para uma consciência mais elevada.
“Bem-aventurados os mansos, pois eles herdarão a terra”
“Bem-aventurados os mansos” é um provérbio oriental ainda utilizado em países que falam o aramaico. Uma tradução para a palavra manso em aramaico é “suave”, aquele que é “não-agressivo”. A palavra também indica “aquele que se rendeu a Deus”. A palavra aramaica herdar pode também significar “receber da fonte universal”. Deus provê àqueles que verdadeiramente se rendem a ele.
Para se ser manso não é preciso ser fraco, mas sim suave e não-agresssivo, numa posição de sabedoria e força. A mansidão implica em falta de egoísmo e em não-agressividade - para se sentir livre do sentido de “EU” e “MEU”. Temos de desistir da idéia de que podemos possuir todos ou tudo. Todos e tudo pertencem a Deus. Esta atitude pode trazer um grande sentimento de liberdade e contentamento.
Podemos ter posses, mas elas não nos devem possuir. Não adquirirmos mais do que necessitamos, e sermos cuidadosos para não prejudicarmos a terra e a atmosfera ao nosso redor. Isto tudo faz parte da não-agressividade. Ao rendermos nosso ego a Deus, nada reivindicando como nosso, ganhamos tudo. Herdamos a terra.
Uma passagem nos aforismos de Patanjali sustenta a seguinte idéia: “O homem que é resoluto em não roubar torna-se o mestre de todos os ricos”. Não roubar significa desistir da ideia de que podemos possuir qualquer coisa, pois tudo pertence a Deus. Desistindo do apego podemos apreciar nossas posses sem a preocupação que o apego traz.
A não-agressividade também implica em sermos solícitos com os outros, e não sermos agressivos ou exigentes. Esta qualidade é muito apreciada tanto no local de trabalho como na família, ou numa situação de grupo.
“Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça, pois eles serão saciados”.
O faminto e o sedento do qual Cristo fala aqui não é somente a fome por virtudes morais, mas a fome e a sede do conhecimento de Deus. Quanto maior for a fome, maior será nossa realização.
JUSTIÇA, a qual inclui todas as virtudes morais, é a base para a vida espiritual.
Qualidades tais como a veracidade, amabilidade, generosidade e integridade são os alicerces da espiritualidade. Precisamos nos fixar nessas qualidades primeiramente, antes que o progresso real possa ser feito.
Muitos de nós ainda não desenvolveu a fome e a sede de Deus. Porém, mesmo um mínimo de interesse em realizá-lo pode ser reforçado por disciplinas tais como a discriminação entre o eterno e o transitório, meditação, trabalho abnegado e direccionando nosso amor e preces para Deus - que são necessárias para despertar esse anseio por Ele.
Frequentemente os golpes que recebemos na vida nos obrigam a ir fundo no significado e propósito da mesma. Acabamos por compreender que tudo que vemos ou experimentamos no mundo é de natureza transitória, e que Deus sozinho vive sempre. Ouvimos que outros tiveram a experiência directa de Deus, então nós também podemos ter essa experiência.
Quando podemos direccionar todo nosso pensamento e energia para a realização de Deus, a mente se torna direccionada e repleta da justiça da qual Cristo fala. Então, a visão de Deus não está tão longe.
“Bem-aventurados os misericordiosos, pois obterão a misericórdia”
A palavra aramaica misericórdia tem a conotação “piedade, amor e compaixão, irradiando das profundezas do corpo”. A raiz da palavra misericórdia está associada a útero, indicando um sentimento maternal. Há um versículo no Talmud que diz: “Aquele que tem
misericórdia pelos outros obterá a misericórdia de Deus”. Deus é o espelho da alma, e nós recebemos o que damos. Isto segue a lei natural do karma.
A misericórdia é bondade de coração, perdão e sensibilidade com os sentimentos dos outros. Estamos mais naturalmente sintonizados nos problemas daqueles com os quais estamos em contacto directo, mas devemos também sentir pela infelicidade dos povos do mundo inteiro, pois somos todos unidos ao Divino. Em nossas meditações podemos orar pelo bem-estar dos outros e para que ninguém sofra.
A pessoa espiritualmente evoluída é feliz pela boa sorte dos outros e genuinamente complacente com seus infortúnios. Inveja, ciúme ou desprezo, não gostar das pessoas provêm do nosso egoísmo, que nos faz sentir separado dos outros seres. Não podemos ter ciúme de ninguém, se o amamos verdadeiramente. Todo pensamento de ódio e mal em nossas mentes aumenta a servidão e a ignorância de nossa verdadeira natureza.
Quando pensamentos negativos surgem na mente devemos estar conscientes deles, e tentar analisar por que estamos reagindo dessa maneira. Às vezes podemos nos envergonhar de nossas reacções negativas ou podemos tentar agir contra o pensamento com um pensamento oposto. Por exemplo, o ódio pode ser contrariado olhando-se por detrás do objecto de ódio. Ao invés de sentimento de ciúme, podemos substitui-lo pelo da alegria, pela sorte de alguém, e tentar nos sentirmos uno com ele. Quando oramos por alguém e tentamos sentir a presença de Deus nesta pessoa, então fica fácil amar. Quando alguém nos magoa, devemos aprender a perdoar como gostaríamos de ser perdoados, ao involuntariamente magoamos alguém. Se desejamos obter misericórdia de Deus, devemos primeiro cultivar a misericórdia, o amor e a compaixão em nossos corações. Então, obteremos a misericórdia - a Graça de Deus. “Bem-aventurados os puros de coração, pois eles verão Deus”. Esta é provavelmente a mais importante das Bem-Aventuranças e certamente a mais citada em nossa tradição. Swami Vivekananda exaltou essa Bem-Aventurança, dizendo: “Essa frase sozinha teria salvo a humanidade se todos os livros e profetas tivessem se perdido. Essa
pureza de coração trará a visão de Deus”.
A palavra coração em aramaico é Lebhon que significa “o centro de onde a vida irradia”. A palavra ver significa não somente “vista”, mas também tem a conotação de “visão interior” ou “súbito discernimento”. Em aramaico, a palavra ver é mais exactamente traduzida no tempo presente. Aqueles que são puros de coração vêem Deus. A raiz da palavra Deus (Alaha) significa “o único”, e refere-se à força cósmica que está em todo lugar, penetrando a alma e cada ser vivo. A pureza de coração é a condição primordial para a realização de Deus, o que é ensinado em toda religião. O que é pureza, e como se obtém? A mente pura tem sido comparada ao lago de cristal límpido, sem mesmo uma ondulação. As ondulações em nossas mentes são os desejos, as distrações e as impressões ruins de nossos karmas passados. Um exemplo foi dado, o da linha da agulha. Se há um mínimo fiozinho para fora, a linha não
atravessará a agulha. Da mesma maneira, enquanto houver distracções e desejos na mente, esta não se tornará concentrada e elevada ao estado de consciência mais alto. Devemos trabalhar nossos desejos e karmas passados para atingirmos o ponto de evolução onde o principal desejo em nossa vida seja o de realizar Deus. Quando as preparações foram feitas, e a mente tornou-se completamente absorvida pelo objecto de meditação, pela Graça de Deus a divina visão é revelada.
A ignorância de nossa verdadeira natureza é a causa primeira das impurezas em nossas mentes. Ao invés de estarmos conscientes de Deus, que vive dentro e fora, vemos um mundo concreto, o qual tomamos por real. A mente é naturalmente dispersiva, nossos sentidos
procuram o prazer enquanto nosso ego defende seu “Eu”.
Nós instintivamente nos apegamos a essa consciência superficial, embora saibamos que é limitada e, às vezes, miserável. Não queremos desistir, porque é tudo que conhecemos. É dito que, quando a visão de Deus está para ser revelada, há um recuo momentâneo, por medo de perder essa consciência a essa vida superficial.
Entretanto, é importante para nós discriminarmos entre o eterno e as coisas temporárias da vida. Quanto mais pudermos pensar dessa forma, menos a mente e os sentidos serão desviados para fora. Podemos treinar para pensarmos mais e mais em Deus - a Realidade que dá vida a tudo o mais no universo.
Como podemos purificar nossas mentes e corações para vermos Deus? As impurezas da mente, que adquirimos através de muitos nascimentos, podem ser substituídas por puros e santos pensamentos. Quanto mais pensarmos em Deus, mais puros nossos corações serão; outros desejos irão perder seu apego por nós.
Quando o coração torna-se sem desejos e Deus é o mais importante pensamento em nossa mente, podemos estar certos de que a visão de Deus não está muito longe. A actuação do trabalho abnegado e dedicado, sem nenhum apego aos resultados é um caminho fácil para
purificar o coração. Temos todos de trabalhar e se o trabalho for feito com a intenção correcta, isso nos ajudará a eliminar nosso karma sem criar outros novos. Generosidade, não-egoísmo e bondade a todos os seres é a maneira suprema de se purificar o coração.
Repetir o nome de Deus serve para purificar ambos, o corpo e a mente, e isso pode ser feito a qualquer hora ou lugar no decorrer do dia.
A pureza é nossa natureza básica. Em nossas meditações podemos afirmar essa pureza e divindade inatas. Quanto mais pensarmos na pureza, mais puros nos tornamos.
“Bem-aventurados os pacíficos, pois serão chamados filhos de Deus”
A raiz aramaica da palavra Shlama, leva a pensar na imagem de plantar e cultivar o solo, ou a de quem está responsável pelo ato de semear a paz. Também tem a conotação de unir todas as partes em paz; Shlama está relacionada à palavra hebraica Shalom.
Cristo quis que nós fossemos amantes da paz, sinceros, suaves e compassivos. A essas pessoas ele chamou filhos de Deus. Aqueles que geram a paz interior e exterior tornam-se integrados interiormente. Quando geramos paz em nossos próprios corações, também
enviamos uma vibração de paz para o mundo inteiro.
Uma bonita passagem no Bhagavatam diz: “Aquele em cujo coração Deus se manifestou traz paz, alegria e encanto aonde quer que vá”. Esta suave qualidade da paz é evidente em almas iluminadas que criam atmosferas de paz, alegria e harmonia, a qual é tangivelmente sentida pelos outros.
Quando pensamos em Deus sentimos paz interior e quando podemos sustentar o sentimento de paz, os outros, ao nosso redor, sentirão, no mínimo, um pouco *. Em nossas vidas diárias podemos promover a paz nos esforçando em ser harmoniosos com os outros.
“Bem-aventurados os que são perseguidos por causa da justiça, porque deles é o reino dos céus”
“Bem-aventurados são vocês, quando os homens vos injuriarem e persegui-los e disserem toda maledicência contra vocês falsamente, em meu nome. Regozijem-se e sejam extraordinariamente alegres, pois grande é a recompensa dos céus, pois os profetas que vieram
antes de vocês também foram perseguidos”.
Jesus apresentou nessas parábolas um quadro realista da sociedade de seu tempo, a qual era receosa de um novo profeta e finalmente O crucificaria. Ele sabia que os seguidores de tal profeta seriam perseguidos por se aterem às suas crenças. Entretanto, Ele assegurou aos seus discípulos que estes receberiam sua recompensa em outro reino, o Reino dos Céus.
Nós não nos encontramos face a este tipo de perseguição hoje, mas há tempos em que podemos precisar nos erguer pelas nossas crenças, especialmente para defender os ideais de
liberdade de nossas convicções mais íntimas, harmonia, bondade e tolerância, pelo respeito à diversidade de raças e culturas étnicas. Se as pessoas querem criticar-nos por qualquer razão, irão fazê-lo não importa o que façamos ou digamos. Desde que tenhamos feito o que acreditamos ser certo, não precisamos nos preocupar com a opinião dos outros.
Quando alguém fala mal de nós, nossa reacção natural é ficar ofendido e retaliar. Esta é uma reacção do ego. Quando reagimos dessa forma perdemos nosso equilíbrio e cortamos nosso elo com Deus. Crítica e injúria injusta oferecem-nos a oportunidade para discriminar,reafirmar nossa verdadeira natureza, e orar por aqueles que falam contra nós. Às vezes, a adversidade tem um efeito positivo, forçando-nos a nos voltar para a Realidade, pela calma e compreensão.
O Reino dos Céus encontra-se dentro de nós.
A alma iluminada encontrou os Céus dentro de seu próprio coração. Nossa recompensa virá quando encontrarmos aquele estado de perfeição onde nossas mentes vivem em Deus.
Então, permaneceremos serenos, não importando o que nos suceda.
“As pessoas do nosso planeta não estão em pé, em linha recta. Olha de perto. Todos estão realmente em pé, num círculo, de mãos dadas. O que quer que você dê à pessoa em pé, ao seu lado, no final retornará a você”.
Pensamento / Oração
Que eu nunca busque ajuda e protecção fora,
Mas que viva sempre próximo daquele Espírito Interno que mora em meu coração.
Que eu encontre liberdade através da entrega
E conquiste paz mediante a mais profunda confiança.
Que minha força e felicidade descansem totalmente na Infinita Presença que mora em meu coração.
(...)
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